MATHIAS SIMON e a
GENTE da FRONTEIRA do SUL do BRASIL
Mathias Simon nascera e criara na fronteira da Alemanha com a França. Migrando ao Brasil couberam-lhe terras na província do Rio Grande do Sul fronteira lusa em perpétua disputa com os castelhanos.
DEBRET, Jean Baptiste Voyage pittoresque et histórique au Brésil 1839 Vol II Plancha39 - p.1323
Fig. 01 – Casal de viajantes sul-rio-grandenses
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Culturalmente esta fronteira sul-brasileira estabelecia-se como tal também diante daqueles recém chegados e entre os que estavam a mais tempo na terra. Antes da imigração alemã Saint- Hilaire descrevera em 1823 os já aquerenciados:
“Na capitania do Rio Grande quando se sai a galope sobre um cavalo xucro, jogar o laço, lançar as boleadeiras, castrar um touro, matar um boi e esfolá-lo, não se quer saber de outra coisa”
DEBRET, Jean Baptiste Voyage pittoresque et histórique au Brésil 1839 VolI final
Fig. 02 – O mapa do Sul do Brasil desenhado por Debret e com os dados que ele conseguiu recolher entre 1816 e 1831. Percebe-se o preocupante espaço vazio e as fluidas fronteiras da bacia platina
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O espaço que esta índole local cultivava era a vida ao ar livre em largos afazeres próximas ainda à vida do caçador e do nômade. O espaço que esta índole deixava aos recém migrados era propício aos hábitos domésticos e aos trabalhos artesanais. Saint Hilaire havia notado, em 1823, esta faceta:“na capitania do Rio Grande as artes são desdenhadas e maioria dos operários são estrangeiros”.
Saint Hilaire estava falando de uma população de aproximadamente de 250.000 habitantes espalhados em todo território O Rio Grande do Sul contava em 1872 434.815 habitantes[1] após o falecimento de Matias Simon e depois da Guerra do Paraguai.
DEBRET, Jean Baptiste Voyage pittoresque et histórique au Brésil 1839 Vol I Plancha23 p.40
Fig. 03 – Índio Guarani em traje da época de Debret
Esta pequena população numa fronteira instável inquietava o jovem Império brasileiro, pois poderia repetir-se o que acontecera em 1750 quando, depois das duas coroas marcharem unidas contra as Missões, houve sul-rio-grandenses que optaram por trabalhar a favor de Buenos Aires.
DEBRET, Jean Baptiste Voyage pittoresque et histórique au Brésil 1839 VolI I Plancha 26 p. 84
Fig. 04 – Acampamento de tropeiros no Rio Grande do Sul
O projeto da ocupação destas terras de fronteiras foi pensado e com previsão de recursos oficiais. No ano da Independência do Brasil este projeto oficial já estava alinhavado. O major Georg Anton Von Schaffer oferecia oficialmente aos candidatos a passagem, 78 hectares de terras, uma ajuda de custo diário de um franco (160 réis) ao longo de uma ano - metade disto no segundo ano - e animais como bois, vacas, cavalos, porcos e galinhas na proporção das pessoas de cada família.[1]. Estas promessas estavam ancoradas na crença do Estado nacional. Na Alemanha as aulas de Hegel, Goethe e Fichte preparavam as mentes e corações para acreditar neste poder e que se revelou favorável ao controle do comércio e de territórios cativos para a produção continuada das máquinas.
DEBRET, Jean Baptiste Voyage pittoresque et histórique au Brésil 1839 Vol II Plancha 40 p. 125
Fig. 05 – Balsas de toras de madeira de construção descendo o rio.
Já se estudou os balseiros do Rio Uruguai que vieram até a metade do século XX. Faltam dados desta atividade na matas ciliares dos afluentes do Guaiba como aquela da gravura de Debert.
Este projeto de ocupação e povoamento da fronteira do Brasil não era novo. Setenta anos, em pleno Iluminismo o objetivo era atrair os habitantes das ilhas super povoadas dos Açores. Na época posterior ao Tratado de Madrid e a destruição das Missões prometia-se, além da viagem “um quarto de légua em quadro” como o escritor Luis Assis Brasil resumia esta proposta[1].
DEBRET, Jean Baptiste Voyage pittoresque et histórique au Brésil 1839 - Vol I Plancha 15 pp. 32/3
Fig. 06 – Índios charruas do Rio Grande do Sul
O eterno problema era o sucesso na coerência entre os limites e as fronteiras físicas e as fronteiras mentais daqueles que viviam nestas fronteiras. Certamente um Estado torna-se histórico e próspero quando existir esta coerência. Esta coerência deveria ser conquistada na correspondência dos gestos concretos e nos hábitos que aos poucos deveriam serem inculcadas na sociedade civil por meio das instituições confiáveis e em especial na educação escolar.
Certamente o moleiro Mathias Simon estava pensando as razões pessoais da sua troca. Mas apesar deste projeto oficial havia a tarefa de gerar uma cultura no Rio Grande do Sul. Este projeto não era fácil na perspectiva com que Saint Hilaire descrevia, em 1823, os habitantes desta terra
“os homens do Rio Grande possuem, algumas vezes, uma fortuna considerável, mas ao ver as suas casas e a maneira como ali vivem, parece que estão na indigência”.
Contudo o se potencial impressionou Saint Hilaire ao revelar (1823. p.56) o segredo do homem sul-rio-grandense:
“A capitania de Minas (Gerais) está se esgotando. A do Rio Grande se enriquecendo. Os mineiros possuem uma coragem ordinária. Os homens do Rio Grande distinguem-se por um valor brilhante, e , sob um chefe empreendedor conseguem facilmente conquistas em toda parte onde não forem constrangidos a deixar de lado os seus gostos e seus costumes”.
Fig. 07 – Gaúchos na lida do campo por William Rudolf Wendroth -c.1852
Com toda certeza este traço é o resultado de numerosos caldeamentos entre o indígena e de adventícios de todo origem e ordem. De outra parte este primitivo habitante foi sempre respeitoso com os gostos e os costumes dos recém chegados.
Assim Mathias Simon não foi contrariado na sua cultura que ele adquirira na fronteira alemã. Este fato é visível na língua alemã e no dialeto do Hunsrück[1] que permaneceram por gerações. As mudanças e as intervenções na adaptação à língua, à cultura e à política da terra, foi em grande parte, incentivado pelos descendentes de alemães mais letrados, como Carlos Von Kozeritz[2], a presença e ação dos pastores luteranos[3] e do jesuíta erudito alemão a partir de 1840[4]. Estes intelectuais perceberam que os laços com a pátria de origem estavam definitivamente cortados. O estado Alemão seguira rumos próprios e que nada tinha em comum com os hábitos e gostos dos habitantes migrados dos estados que unificaram, depois, em 1870. De outra parte a língua nacional era o vinculo necessário ao imigrante nas suas interações com o projeto estatal brasileiro que havia sido o proponente e financiador inicial de sua mudança para as Américas.
[1] - Confira algumas distinções ente o alemão gramatical e o dilato em http://buratto.org/gens/gn_nomesalemaes.html Na prática esta distinção interferiu na grafia dos nomes de famílias na sua forma gramatical e aquela do Hunsrük. No alemão gramatical a palavra Simon é pronunciada como Zimon e o TH do nome Mathias segue a gramática antiga em que o TAU grego é escrito como th
[3] - Entre tanto outros é possível destacar Wilhelm Rotermund http://pt.wikipedia.org/wiki/Wilhelm_Rotermund e a editora por ele fundada continua a prestar relevantes serviços culturais e econômicos. Em pleno séc XXI.
DEBRET, Jean Baptiste Voyage pittoresque et histórique au Brésil1839 Título
Fig. 08 – Título da obras de Jean Baptista Debret - 1839
Mas em 1830 as notícias da Colônia de São Leopoldo chegavam a corte do Rio de Janeiro de onde, em 1831, Jean Baptiste DEBRET as levou para a Europa onde as incluiu quando da impressão em 1839:Ali consta (Vol. II, p. 138)[1] que:
“na Província do Rio Grande do Sul, citava-se, em 1830 - entre os felizes resultados os progressos da cultura colônia alemã de São Leopoldo, fundada em 1826 (sic) - a importação de lúpulo, que alimentava uma fábrica de cerveja: bebida útil que antes era importada da Inglaterra; e os produtos das artes mecânicas como a maravilhosa execução de toda obra de madeira de uma capela recentemente construída em Porto Alegre, sob a direção e patrocínio do Visconde de São Leopoldo distinto historiador, literato e ex-ministro do Interior do Brasil”
[1] DEBRET Voyage pittoresque et histórique au Brésil Volume II disponível integralemnte http://www.brasiliana.usp.br/bbd/handle/1918/00624520
ALGUMAS FONTES de IMAGENS deste TEXTO
DEBRET, Jean Baptiste (1768 – 1848) - Voyage pittoresque et histórique au Brésil ou séjour d’un Artiste Français au Brésil depuis 1816 jusqu’en 1831 inclusivement. Dédié à l’Académie des Beaux-Arts de l’Institut de France par J.B.Debret, premier Peintre et Professeus de l’Academie Impériale Brésilienne des Beaux-Arts de Rio de Janeiro, Peintre particulier de la Maison Imprériale, Membre correspondant de la Classe des Beaus-Arts de l’Institut de France, et Chevalier de l’Orde de Crist. Paris : firmin Didot Frères, impremeurs de l »Institut de France, 1839, 3 vol.
Veja o
SAINT HILAIRE, Auguste 1779-1853 Aperçu d'un voyage dans l'intérieur du Brésil, la province Cisplatine et les missions dites du Paraguay Correspondant de l’Académie des Sciences. ( Extrait des Mémoires du Muséum d'Histoire Naturelle, 5e. année, t. 9.}, Imprimerie de A. Belin : Paris, l823, 73 p Dedicatória de Saint-Hilaire ao Monsieur L'Abbé Correa
Disponível na Coleção Brasiliana USP - http://www.brasiliana.usp.br/bbd/handle/1918/01417800