O registro de uma visita, em 1834, à colônia São Leopoldo
[antes da Revolução Farroupilha]
Arsène Isabelle (1807-1888)[1], francês de origem e fixado no Rio da Prata, visitou a Colônia Alemã um ano antes da Revolução Farroupilha. Ele escreveu esta visita e a publicou na Europa em 1835[2]. Por meio deste relato escrito é possível avaliar a vida do patriarca Mathias Simon neste Novo Continente. Consta ali o cenário que enfrentava nos seus primeiros anos, nesta colônia e o panorama das suas idas e vindas neste meio.
[2] ISABELLE. Arsène (1807-1888)[2], - Viagem ao Rio da Prata e ao Rio Grande do Sul tradução e nota sobre o autor Teodomiro Tostes; Introdução de Augusto Meyer [2ª reimpressão] Brasília : Senado Federal 2010 , XXXI p. + 314 p.( Ed. Senado Federal v.61)
Fig. 01 – ArsèneA Isabelle ( Havre, *1807 +1888 ) foi um comerciante, diplomata, jornalista e naturalista francês.Viajou através da Argentina, Brasil e Uruguai, entre 1830 e 1835. Participou da primeira expedição científica organizada pelo "Museu Nacional de História Natural e Antropologia" do Uruguai junto com Bernardo Prudencio Berro e Teodoro Miguel Vilardebó . Sua coleção de plantas, realizada entre 1838 e 1839, esta conservada no museu do Uruguai.
Arsène tinha 27 anos quando percorreu o Rio Grande do Sul. Ele também havia abandonada, no ano de 1829, a Europa (Havre-França) fixando-se em Buenos Aires e com negócios e pesquisas em Montevidéu. Entrou no Rio Grande do Sul pelo rio Uruguai. Visitou as ruínas das Missões Jesuíticas. Saiu de São Borja no dia 04 de fevereiro de 1834 para chegar a Rio Pardo no dia 20 de março deste ano.
Acervo da Galeria de Fotos do Museu Histórico Visconde de São Leopoldo
Fig. 02 – CARRETEIROS
Arsène escreveu que“essa caravana compunha-se de sete carretas, quatro cobertas e três descobertas, cada uma puxada por oito bois, e levando em tropa, para muda, mais trinta bois e oito cavalos. Além de mim e dos meus dois companheiros, o pessoal se compunha do tropeiro ou capataz, e de quatro arreadores, dos quais dois negros e um índio. O capataz e o outro arreador eram brasileiros. Íamos ora a cavalo,ora a pé, ora de carreta” (Isabelle, 2010, p.201).
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Permaneceu em Porto Alegre de março até junho de 1834. No outono, na época das laranjas, levou uma noite inteira de navegação pelo rio dos Sinos e mais duas horas de caminhada para chegar até São Leopoldo.
“Depois de remar toda a noite, o barco alemão no qual havíamos viajado parou num lugar chamado Três Portos. São simplesmente três clareiras no meio do mato, na margem esquerda, mais elevada, ali, do que nas outras partes. Já nos encontramos na colônia alemã. Desse lugar a São Leopoldo são apenas duas horas a pé, ao passo que seguindo o rio, para chegar ao verdadeiro porto, é preciso remar o dia inteiro. Preferimos ir a pé, caçando, a respirar por mais tempo as exalações fétidas de um barco coberto, provocadas por uma meia-dúzia de criadas e não sei quantas crianças, que comiam laranjas, bananas e outras coisas gostosas, de que a gente se satura rapidamente” (Isabelle, 2010, p.251).
Acervo da Galeria de Fotos do Museu Histórico Visconde de São Leopoldo
Fig. 03 – São Leopoldo nos primórdios.
Ali se encontrou com o médico doutor João Daniel Hillebrand com quem dividiu a sua própria curiosidade científica.
“Hamburguês de nascimento, dominando os idiomas francês e português e exercendo, há muitos anos, com sucessos, a medicina e a cirurgia, o doutor Hillebrandd conquistou a confiança dos habitantes da colônia, que têm por ele a maior consideração. É ele bem a merece certamente, pelos seus conhecimentos e por seus sentimentos tão humanos. O doutor Hillebrand, também, se ocupa muito da história natural, principalmente de ornitologia e entomologia. Adquiriu este gosto quase apaixonado quando acompanhou, durante muito tempo, o doutor Sellow. Mostrou-nos suas coleções, já numerosas, de pássaros, insetos e madeiras úteis, e também muitos objetos curiosos, tais como armas de bugres, vasos, etc... Excelente desenhista, pintou uma coleção de lepidópteros da colônia. Fiquei encantado com a exatidão do desenho e a frescura do colorido desses lindos insetos” (Isabelle, 2010, p.253/4).
Contudo também os temas sociais, econômicos e do comércio dos povos eram-lhe caros. Leitor de Saint-Simon[1] sentia as causas da Revolução de 1830 e já se refere as idéias utópicas de um socialismo racional.
Fig. 04 – Região colonial de são Leopoldo em direção à Serra Geral
Sob esta ótica descreveu a nova colônia como um experimento notável no seio da cultura luso-brasileira e que se havia mantido fechado ao longo dos séculos colônias.
“Pensamos estar na Alemanha. Não pude deixar de experimentar, à vista dessa povoação européia, um sentimento de admiração, pois fui imediatamente surpreendido pelo contraste que me ofereciam esses lugares cultivados com cuidado, esse caminhos abertos penosamente através das colinas, dos montes e das florestas, essas pequenas propriedades cercadas de fossos profundos ou sebes vivas, essa atividade dos agricultores e operários, rivalizando, de modo invejável, pela prosperidade comum, com o abandono absoluto no qual os brasileiros deixam suas terras, o mau estado de seus caminhos, suas choupanas em ruínas, enfim, essa falta de indústria, esse espírito perdulário e destruidor que os caracteriza, assim como os argentinos. Minha admiração não foi menos ao ver, quase sob o trópico, uma nação das regiões polares conservando hábitos, seus costumes, sua vida ativa, e dando origem a uma geração que deve um dia mudar a face do país”. (Isabelle, 2010, p.251/2).
Acervo da Galeria de Fotos do Museu Histórico Visconde de São Leopoldo
Fig. 05 – Novo Hamburgo nos seus primórdios.
Como um arauto de era industrial, que estava revolucionado a Europa, percebia as possibilidades desta nova era.
“Outros alemães que possuem algum capital, formaram estabelecimentos mais ou menos importantes, como curtumes, destilarias, serrarias, olarias e outras fabricações tais como a de farinha de mandioca e de açúcar, que já produzem um bom rendimento para a colônia, sem falar nos benefícios das relações comerciais que a sua atividade mantém com Porto Alegre. A terça-feira de cada semana é o dia marcado para levara à capital os comestíveis e os produtos da indústria dessa pequena república”. (Isabelle, 2010, p.253).
Acervo da Galeria de Fotos do Museu Histórico Visconde de São Leopoldo
Fig. 06 – São Leopoldo após a Revolução Farroupilha
Ao fundo, junto aos sobrados, um dos vapores cuja construção Isabelle previra em 1834 ao escrever (p.253) que em São Leopoldo “Já se formou uma sociedade de acionistas para a construção de uma ponte sobre o rio dos Sinos e já se fala em levantar edifícios públicos, abrir novas estradas, construir um barco a vapor”.
Contudo não deixava de reconhecer a predominância e base da era agrícola e da diversidade rural
“A maior parte dos colonos alemães são agricultores. É distribuída entre eles uma porção mais ou menos considerável de terreno, com a obrigação de sua parte de baterem os matos e de cultivarem o lugar que ocupavam. Se há pastagens em torno de suas propriedades, reservam parte para a criação de vacas e a fabricação de manteiga e queijo, que vendem facilmente em Porto Alegre”. (Isabelle, 2010, p.253/4).
Acervo da Galeria de Fotos do Museu Histórico Visconde de São Leopoldo
Fig. 07 – São Leopoldo- Atual Praça dos Imigrantes
O entusiasmo do jovem francês pode ser medido por uma das frases na qual percebe uma verdadeiro paradigma novo para o Brasil.
Minha admiração não foi menos ao ver, quase sob o trópico, uma nação das regiões polares conservando hábitos, seus costumes, sua vida ativa, e dando origem a uma geração que deve um dia mudar a face do país. (Isabelle, 2010, p.252).
A permanência de Mathias Simon nesta colônia e os sucessos dos seus descendentes deve-se ao pertencimento a este projeto coletivo ao qual deu a sua vida, o seu trabalho e os primórdios de uma era industria.
Vale a pena ler o restante do relato de Arsène. Neste relato é possível acompanhar a descrição da paisagem natural da flora, da fauna e também pelas culturas humanas diferenciadas, existentes em São Leopoldo e que ele registrou nesta obra. De outra parte, em 1835, era uma das primeiras notícias na Europa que forneciam impressas e públicas desta epopéia do imigrante alemão e os êxitos que obtinham no seu projeto para abrirem fronteiras. Como consta na introdução (Isabelle, 2010, p.XX) de Augusto Meyer: “foi Arsène Isabelle o primeiro a prever a importância e a revelar aos meios interessados e existência de um núcleo colonial ativo e industrioso na Província”. Arsène conseguiu captar este projeto ainda na mentalidade de quem o estava tornando como próprio na realidade no mundo concreto e aqueles que o souberam receber este imigrante disposto a tudo. Ou como (Isabelle, 2010, p.252) registrou “os alemães não recuam de nenhum obstáculo e a que palavra impossível já não tem equivalente em sua língua como não tem na nossa”. Já no ano de 1835 começaria o decênio de provações destes limites e privações que acompanham qualquer revolução ou guerra, em especial aquelas fratricidas.
Contudo Arsène não nos abandona sem nos chamar para o presente com a responsabilidade moral e histórica de trazer para os dias atuais os feitos dos heróis do passado.
“A nova geração, que pretende a honra de figurar em letras brilhantes no livro dos imortais, deve ela mesma talhar a pena que registrará seus títulos à admiração das raças futuras” (Isabelle, 2010, p.273)
Se as obras e as ações de Mathias, de Margarida Simon e dos seus filhos, não encontrarem eco e sentido no presente, estas obras permanecerão no passado por mais gloriosos que tenham sido e serão meras curiosidades anacrônicas. Os descendentes e os afins necessitam atualizar a vida, os trabalhos, as escolhas e as iniciativas de Mathias, de Margarida Simon nas suas próprias obras e nas ações presentes para retomar e para torná-las também surpreendentes e motivadoras da civilização.
ISABELLE. Arsène (1807-1888)[1], - Viagem ao Rio da Prata e ao Rio Grande do Sul tradução e nota sobre o autor Teodomiro Tostes; Introdução de Augusto Meyer [2ª reimpressão] Brasília : Senado Federal 2010 , XXXI p. + 314 p.( Ed. Senado Federal v.61)
MUSEU HISTÓRICO VISCONDE de SÃO LEOPOLDO
CRONOLOGIA de SÃO LEOPOLDO
Capas de livros sul-rio-grandenses
BRASIL-ALEMANHA
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